quarta-feira, julho 27

O estranho caso de Amy







Agora, soará a piada de mau gosto, mas sempre achei que o problema de Amy Winehouse não seria bem a droga, mas os dealers. Vejamos David Bowie, Iggy Pop, todos os Rolling Stones, Ozzy Osbourne, toda essa gente que consumiu hectares de plantações e laboratórios durante décadas e ainda aí está, pronta para nos enterrar. Amy andou, desde cedo, a fazer qualquer coisa terrivelmente errada.

O mais chocante na notícia da sua morte não é a notícia em si, mas o facto de todos, há tanto tempo, a esperarmos. E tenho dificuldade em livrar-me dum certo sentimento colectivo de culpa nisso. Como aquela gente que assiste, impávida, a um crime.

Nos últimos anos, todos fomos espectadores da morte lenta de Amy Winehouse. Da decadência galopante, do desastre. Amy foi estrela durante um centésimo de segundo; todo o resto do tempo foi estrela cadente. O público não a seguia pelas canções. O público gostava das canções – nenhuma dúvida acerca disso – mas essa Amy artista, essa Amy da obra, era há muito tratada como coisa póstuma. Ela já tinha sido. Agora, era seguida como fantasma de si mesma, à espera do acidente. Amy Winehouse não tinha público; tinha voyeurs. Não tinha espectadores, tinha visitantes do Zoo. Gente grotescamente à espera de qualquer acrobacia exótica.

Espanta-me, com toda a franqueza, que tanta figura inunde agora sites e jornais com declarações acerca do quanto eram amigos de Amy, do vazio que sentem, da memória da pessoa maravilhosa, et cetera, et cetera, et cetera. Toda essa multidão de amigos não serviu de nada. Nem a família, nem os agentes, nem a inominável gente que lhe agendou uma tour cancelada ao primeiro concerto, ainda há um mês. Nem o cretino, quem quer que tenha sido, que terá dito “não, não. Ela agora está óptima. Podem vender bilhetes à vontade. É à confiança.”

Como foi que toda essa gente falhou? Como é que o mundo inteiro não conseguiu salvar uma só rapariga? Uma figura tão frágil que durante tanto tempo todos fomos vendo cair?

Algures pelo caminho, lixámos violentamente os nossos códigos morais.


publicado por Alexandre Borges às 02:43 em http://sinusitecronica.blogs.sapo.pt/97545.html


Estava a pensar em escrever algo sobre uma das mais fantásticas vozes de soul/jazz que conheci... Encontrei este artigo e simplesmente era o que tinha na ideia!

Que a tua alma tenha a paz que para o teu corpo faltou! Até sempre!